Contrapor o filósofo René Descartes ao portal da Praça da Apoteose do Samba, na manhã da quarta-feira de cinzas do dia 18 de fevereiro do ano de 2015, depois que a festa se acabou, pode ser um indício de que loucura e lucidez, alegoria e metalinguagem, são apenas modos de operar a linguagem para que, essa também se torne parte de um jogo de duplo sentido, aliterando, sem mexer, a palavra de origem francesa (?) do sobrenome do filósofo no exato lugar onde os foliões das escolas de samba do Rio de Janeiro se livram de suas fantasias cheias de lantejoulas, panos brilhantes, traquitanas das mais variadas, fazendo com o que era luxo – ou uma alegoria cara do luxo – se transformar, como em um passe de mágica, em lixo. Mas esse lixo, disputado com os garis da Comlurb, empresa que coleta o lixo na cidade, pode ter um destino surpreendente, ou melhor, podem surpreender, tornando não só o que queremos que ele se torne, mas ser o que ele quiser ser, inclusive se tornar luxuoso, novamente. Desse modo, o filósofo Descartes, o pai do racionalismo, se transforma no Bloco de (pós) carnaval DESCARTES, que além da referência direta ao descarte que é feito na área de dispersão do sambódromo, ainda carrega dentro de si a palavra ARTE. Assim também é o enredo dessa trama, uma vez que se trata de um sonho que se mistura à realidade, mas, ao mesmo tempo, de um delírio que se confunde com uma fantasia. E, aqui, novamente, a palavra em dupla acepção, porque é uma fantasia objeto e uma fantasia ligada ao desejo de uma pessoa. O que se passa? Uma foliã, exausta de tanto brincar o carnaval, está voltando para casa e, ao passar pela área de dispersão da passarela do samba – que está voltando a ser uma rua da cidade, como qualquer outra – ouve alguém lhe chamar e procura encontrar de onde vem o som. Um pouco incrédula, percebe que o som vem de uma máscara de carnaval imitando uma máscara africana. Chega mais perto e a fantasia de carnaval lhe convence que, se ela vestir as fantasias espalhadas pelo chão, ela irá se tornar muito poderosa. Ela aceita a proposta da máscara, veste as roupas e logo começa a dançar, feliz com os poderes que subitamente conquistou. Depois de algum tempo, a máscara abandona a mulher e se encontra pendurada em um poste. Abaixo do poste, a mulher, primeiro recostada e, depois, dormindo. Sonha com superpoderes que não poderá usufruir. Ou é sonhada pela fantasia que a transforma em uma rainha, durante um breve e curto espaço de tempo, onde loucura, desejo, paixão, vida ordinária, vagabundos, mendigos e garis se misturam à luz de uma manhã que ainda não é dos carros, apenas porque ainda há sonhos a ser retirados das ruas.
NA MANHÃ DE CINZAS ELA VAI TRABALHAR
AO PASSAR PELO SAMBÓDROMO, ESCUTA UMA VOZ A LHE CHAMAR
IMPOSSÍVEL! A MÁSCARA FALA!
NÃO SÓ FALA COMO SEDUZ NOSSA PERSONAGEM COM FANTASIAS DE LIBERDADE E FELICIDADE
PARA ISSO, PORÉM, É PRECISO VESTIR A FANTASIA
NÃO SÓ VESTIR A FANTASIA, MAS CELEBRAR A ALEGRIA
E DANÇAR COMO SE O CARNAVAL NÃO ACABASSE NUNCA
O CORPO UMA HORA CANSA
É PRECISO DORMIR
É PRECISO SONHAR!
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