Um caçador de borboleta
Tendo
saído do Brasil para fazer um curso de escultura, durante meu período
de Licença Capacitação, no primeiro semestre deste ano de 2018,
durante mais de 2 meses residi na cidade de Praga, na República
Tcheca, onde me deparei com histórias e construções da Idade Média
que, hoje, fazem parte do acervo cultural da humanidade. Foi na Praça
Venceslau, um rei do século XII, diante de sua imagem, que entendi
que aquele amontoado de metal moldado no século XVIII ou XIX ajudava
a trazer identidade e coesão social a seu povo. E isso não estava
isolado da quantidade de turistas visitando a grande praça
circundada de palácios, museus e outras obras monumentais e
seculares. Nem da economia que aquele conjunto de histórias e
memória movimenta.
Por
ironia, próximo ao local onde eu estava residindo, na Praça
Ortenovo, no bairro de Holešovice, na região conhecida como Praga
7, distante 15 a 20 minutos de bonde da Praça Venceslau, está
instalada uma peça feita com duas chapas de metal, no tamanho
aproximado de 3 metros, ladeada por um perfil de mais ou menos 40 cm,
pintada pelo brasileiro Romero Britto. Representa uma borboleta.
Depois
de consultar, pela internet, descobri que um escritório oferece
graciosamente às prefeituras das cidades uma obra do referido
artista. Através da embaixada brasileira, sambistas representando a
“cultura brasileira” são convidados para se apresentarem no dia
da inauguração da peça. Formalizam-se as transações e, pronto,
está aberto o canal para possíveis trocas comerciais entre o
escritório de Romero Britto e a cidade “premiada”1.
Conversando
com o artista Kristofer Paetau – que foi meu anfitrião e
intermediário para que eu pudesse ir para Praga – lembramos de
alguns “diálogos” entre obras, tais como o desenho de De Kooning
apagado por Rauschenberg (Erased de Kooning Drawing, 1953) e, também,
da estátua da menina sem medo (2017) que se posiciona em frente ao
Búfalo de Wall Street (1989), em Nova York, EUA.
Rapidamente,
desenhei em uma folha de papel uma rede de caçar borboletas e
começamos a pensar juntos qual seria a melhor posição para ela
ficar na Praça Ortenovo, “dialogando” com a obra de Romero
Britto. Outro amigo, Ondrej Brody, também artista, sugeriu que eu
enfiasse a rede sobre a borboleta e eu logo fui tirar as medidas
reais do trabalho alheio para pensar sobre o que e como fazer o meu
próprio trabalho.
Fiz
uma maquete do conjunto borboleta-rede ao mesmo tempo em que tentava
pensar quais seriam os melhores materiais para a construção do meu
objeto. Fui à uma grande loja de materiais de construção, um pouco
afastada no centro da cidade, e comprei canos de plástico, madeira,
parafusos e demais materiais para fazer a parte rígida da rede, que
deveria ter, pelo menos, 3 metros de diâmetro, em sua boca. Não
fiquei satisfeito em um primeiro momento e comprei mais materiais
para dar à rede mais estabilidade. E, após isso, comprei uma rede
de tecido de propileno que me fez pensar se valia a pena os gastos
que eu estava tendo com esse trabalho. Afinal, quanto tempo iria
demorar para que depredassem ou que a polícia ou o serviço público
retirassem minha rede de cima da escultura do famoso escultor
brasileiro?
Meus
amigos diziam que, em uma hora, no máximo a rede não estaria mais
lá. Outro, mais pessimista, de que eu seria preso no ato de colocar
a rede de caça sobre o objeto de metal. Fui tranquilizado pelo meu
orientador do curso de licença capacitação, ponderando que a rede
não iria machucar o trabalho alheio e que não haveria problemas com
a polícia, caso ela chegasse na hora da ação.
Na
manhã de um sábado, convidei os amigos e o meu orientador, que veio
com seus alunos, para fazer um piquenique e realizar a ação na
Praça. A rede encaixou-se perfeitamente à borboleta e
não houve nenhum tipo de problema que pudesse atrapalhar o
planejamento feito anteriormente. Ao contrário, alguns moradores do
bairro vieram até a mim para dizer que aprovavam minha intervenção.
Um mês
depois que eu fui embora de Praga, a rede continuava na praça, ora
sobre a borboleta, ora no chão, ao lado da borboleta. Ninguém
roubou a rede, levou o cano ou depredou a peça. As pessoas
interagiram com a rede de caçar borboletas como um jogo, uma
brincadeira. Como meu amigo desce no ponto da Praça, todos os dias,
para ir trabalhar, ele foi fotografando essa reação e enviando as
fotos para eu apreciar.
Colocando a rede
Colocando a rede e posando para foto
Criança brincando com a maquete da rede
Público da Praça interage com a rede
Público da Praça interage com a rede - talvez a pessoa tenha pensado em libertar a borboleta...
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Vários dias depois
mais...
Um mês depois
Até que a rede rasgasse