quinta-feira, 13 de maio de 2021

A arte como ciência da liberdade

 

A arte como ciência da liberdade

Rubens Pileggi Sá

O origem do mito

A primeira barreira a vencer quando vamos pensar um mito está em não nos deixarmos aprisionar pela alegoria que a força de sua verdade invoca, temendo ser por ela devorado. Atravessar a camada superficial de sua representação e envolver-se em sua razão de ser e sua história é o grande desafio para a compreensão do significado de sua existência. No caso do alemão Joseph Beuys – um dos artistas mais importantes do século 20 -, esse algo, sem dúvida, é a relação entre a estética e a política, na tentativa de unir, em uma só dimensão, a arte e a vida, o sublime e o cotidiano. Para ele, “todo homem é um artista” e a arte, a transformação não apenas do indivíduo, mas de toda a sociedade. Lutando contra o racionalismo econômico e industrial e buscando resgatar associações mágicas e arquetípicas que permitiriam o surgimento de um homem íntegro e harmônico, Beuys nos deixou um legado que resiste até hoje, na medida em que a dissociação do homem com seus valores essenciais se torna cada vez mais evidente: "Me dei conta de que o artista pode desempenhar um papel importante na cura de um trauma social", era o conteúdo de sua pregação.

Nascido em 12 de maio de 1921 e falecido em 23 de janeiro de 1986, Beuys, estaria completando 80 anos, este ano. Filho de um comerciante de ração para animais, desde criança se interessou por botânica, zoologia e biologia, tendo intenções de estudar medicina. Em 1943, é convocado pelo exército nazista alemão para participar da 2ª Guerra como piloto de aviões, quase perdendo a vida ao cair no deserto da Criméia. Graças à uma tribo de nômades Tártaros que o manteve por meses enrolado em gordura animal e feltro - para lhe curar de seus graves ferimentos - pôde retornar ao mundo dos vivos, agora com a idéia de se transformar em um artista. A gordura e o feltro, aliás, vão se transformar em materiais fundamentais em sua poética, como metáforas de condução e isolamento de energias, maleabilidade e proteção da vida. Os traumas de guerra também o acompanharão.

Beuys entrou para a Academia de Dusseldorf de Arte em 1947, trabalhando primeiramente com o escultor Joseph Enseling e, logo, com Ewald Mataré, professor de escultura e incentivador de seu trabalho. Durante este tempo, Beuys questionou os parâmetros acadêmicos tradicionais e buscou ampliar seu alcance artístico, habilidades técnicas e a compreensão de arte pelos assuntos que explorava, pelo aprendizado das técnicas esculturais e pelo uso de materiais não tradicionais. Seu desejo era o de explorar uma teoria sistemática da arte que pudesse acomodar seus interesses em ciência e filosofia, de modo interdisciplinar e holístico. Ao completar seus estudos na Academia de Arte, em 1951, Beuys produziu milhares de trabalhos em papel com óleo, aquarela, nanquim e lápis. O aparecimento regular de traduções arquetípicas da figura feminina, da forma animal e das formas das plantas –particularmente o veado, alce, lebre, cisne e abelhas – distingue o trabalho deste período.

Em meados dos anos 50 é acometido por uma crise depressiva, que chegou a durar anos. Graças aos irmãos van der Grinten, que o acolheram em sua fazenda e foram os primeiros a colecionarem seus trabalhos, Beuys teve seu ânimo reabilitado, podendo dar continuidade à sua produção: "Esta era a fase à qual eu comecei a trabalhar sistematicamente em certos princípios básicos". Estes princípios se desenvolveram no Conceito Ampliado de Arte e, depois, na Teoria de Escultura Social, uma prática de manifestação coletiva que via a sociedade como que sofrendo um trauma psíquico, social, político e ecológico. A arte, no entanto, poderia oferecer a cura plena e a redenção destes traumas.

A metáfora dos materiais

A questão dos mitos e arquétipos e a condução da matéria de um estado caótico para um estado determinado são aspectos fundamentais da obra de Beuys, não importando se são peças achadas ou feitas, objetos esculturais autônomos ou relíquias de um tempo passado. Suas esculturas existem no campo dos significados simbólicos, criando conexões e associações das quais as metáforas vão surgindo e se irradiam, para realizarem uma passagem que vai de uma experiência pessoal para outra, mais fundamental e universal. “Da mesma maneira que o idioma e a semântica dão forma a pensamentos e determinam como nós entendemos um ao outro, assim faz o princípio de seu manifesto criativo em prática artística e age como um modelo para aspectos inerentes dos processos sociais”, explica o curador Emily Rekow.

Para entender seu trabalho, é preciso se concentrar na capacidade evocativa dos materiais empregados e na relação estabelecida entre eles. Suas obras exigem a participação ativa e criadora do observador, que deve buscar os significados propostos pelo artista, não bastando somente a contemplação passiva diante da obra. Para Beuys, que usava sangue, mel, papel, gesso, bronze, metais, vidros, tecidos e toda sorte de objetos, as metáforas e a realidade se constituíam da mesma essência onde matéria e energia tornavam-se indistintas. Em uma de suas obras, Capri-Batterie, de 1985, o artista simplesmente uniu uma lâmpada amarela a um limão, por meio de um soquete, fazendo com que a acidez da fruta acendesse a luz da lâmpada, recomendando que a “bateria” fosse trocada a cada mil horas. A simbologia da cor amarela e a relação de um elemento industrial com outro, natural, tornam evidentes suas preocupações em unir, ou, re-ligar o homem à natureza.

Joseph Beuys. Capri batterie, 1985. Lâmpada com tomada, caixa de madeira serigrafada, litografia offset sobre papel, limão.

As ações

Joseph Beuys foi apresentado à arte da performance em 1962, juntando-se ao internacional, anticonformista, interdisciplinar e irreverente grupo Fluxus. Dele, faziam parte artistas como o compositor norte americano John Cage, o videoartista coreano Nam June Paik, a artista experimentalista Yoko Ono, o artista bricoleur Daniel Spoerri e o inventor do Fluxus, o lituano George Maciunas, entre outros. O contato com o Fluxus levou Beuys a relacionar arte e vida, despertando seu talento para a atuação pública e o uso da mídia como elemento capaz de propagar suas ideias. Para ele, que acreditava ser possível preparar os indivíduos para uma evolução espiritual, suas ações – misto de instalação com performances artísticas – poderiam se tornar um veículo para a cura do ego e a transformação da sociedade. Agindo como um xamã moderno, buscava unir a alma intuitiva e apaixonada à mente especulativa e intelectual. “O processo inteiro de viver é o meu ato criativo”, ele dizia.

De 1962 a 1986, ano de sua morte, Beuys realizou mais de 70 ações. Durante este tempo, ele criou mais de 50 instalações, participou de mais de 130 exposições, concedeu inúmeras entrevistas, seminários, conferências e discussões. Como um midas da arte, tudo em que tocava se transformava em objeto artístico. Metido sempre em seu chapéu de feltro, que lhe escondia as cicatrizes do acidente na Criméia, até os quadros-negros que usava para explicar seus conceitos tornaram-se objetos de disputa de museus e galerias. Dizia que “o capital criativo é o maior valor de todo empreendimento humano”.

Joseph Beuys. Forças de Direção para uma Nova Sociedade, 1977. Galeria Nacional de Berlim, Foto: reprodução. 

Professor da Universidade de Dusseldorf, em 1971 admite 142 alunos para participarem de suas aulas, fato que acabou com sua demissão pelo ministro da Ciência e pesquisa da Alemanha. E que só seria revertido em 1975, por decisão da Corte Federal do Trabalho, sob pressão de artistas, intelectuais e estudantes. Desta época, surgiu a ação na praça Karl Marx, em frente à Universidade, onde os alunos em apoio ao professor Beuys fizeram uma manifestação pública. Em meio aos estudantes, o professor passeava com uma vassoura vermelha que usou para varrer o chão do lugar, recolhendo as sujeiras deixada pelos alunos e levando o lixo para uma exposição em uma galeria de arte. “Ser professor é o meu grande trabalho de arte”.

Fragmentos e totalidade

Redimensionando o experimentalismo e ultrapassando a arte Conceitual – já que seu fazer não visava só evidenciar os conceitos, mas fustigá-los – Beuys foi um artista que se moveu pelos fragmentos do Romantismo e do Expressionismo Alemão, tentando responder através da arte as questões da Cultura. Provocativa, sua atitude perante o mundo desconsiderava os riscos pessoais e o medo de parecer ridículo por unir aspectos aparentemente tão desconexos de sentido, como a relação entre arte e vida.

Enrolado em um cobertor de feltro, viajou da Alemanha para os Estados Unidos para realizar a ação I Like America and America Likes Me, de 1974. Durante três dias, se fez enjaular em uma cela, dentro de uma galeria de Nova York, com um coiote selvagem – símbolo considerado sagrado por algumas tribos nativas e já em perigo de extinção naquela época – um cajado e exemplares do Wall Street Journal, sobre os quais o coiote urinava. Relacionando-se com o animal, o artista acreditava que poderia aprender daquilo que considerava ser sua forma superior de inteligência, que era a intuição. Além disto, a relação do primitivo com o moderno é explicitada nas presenças do coiote e dos jornais.

Joseph Beuys. I like américa and America likes me, 1977. Durante 3 dias o artista trancou-se com um coiote, em uma galeria, nos EUA.

Inspirador e defensor do Partido Verde, Beuys foi o precursor dos famosos abraços em torno de parques e monumentos, denominados por ele de “Escultura Social”. Sua militância ambiental se tornou conhecida depois que ele iniciou o projeto “7000 Carvalhos”, em 1982, para a exposição da 7ª Documenta de Kassel. Seu plano, envolvendo a comunidade, foi completado por seu filho, após sua morte, com o plantio de árvores pelos arredores da cidade, ao lado de uma pedra de basalto, que serviria para indicar a ação e também para comparar o crescimento da árvore, material orgânico, à consistência da pedra, material inorgânico. Para as funções estéticas e sociais do trabalho não é necessário para o observador saber se é uma obra de arte ou não. O caráter de arte fica dissolvido em uma efetividade social direta que beneficia os habitantes e cidadãos. “Terá um resultado visual muito forte em 300 anos”, disse o artista, em entrevista.

Joseph Beuys. Ação para a realização do trabalho “7000 carvalhos”, iniciado em 1982. Foto: reprodução. 

Caos e ordem, natureza e homem, energia e matéria, permanência e movimento. Para Beuys, tais polaridades fazem parte integral de seu sistema criativo, sempre trazendo como tema as grandes questões do primordial, do arcaico, da fertilidade, da ancestralidade, da escatologia e do apocalipse. Em “Bomba de Mel no Local de Trabalho”, por exemplo, realizado entre 1974 e 1976, que foi apresentada na Documenta 6, em Kassel, na Alemanha, o artista utiliza tubos para a passagem do líquido espesso produzido pelas abelhas, bombeando 150 quilos de mel que circulam com a ajuda de uma bomba motorizada. Símbolo do produto do trabalho coletivo, o artista via nesta substância nutritiva preciosa o modelo ideal para o fluxo de uma energia de pensamento positiva capaz de ativar processos de transformação sociais

Joseph Beuys. Bomba de mel no local de trabalho, 1974-76. Instalação utiliza tubos, motor e 150 quilos de mel. 

Beuys, que figura entre os artistas mais importantes que surgiram no século 20, deixou um legado que tem servido como referência até hoje para os artistas. Sua obra continua encantando o público e questionando as estruturas sociais vigentes. Mais do que nunca, seu engajamento político, social e ambiental é fonte de inspiração, servindo como ferramenta de luta para tempos tão conflituosos quanto esses que estamos atravessando.

 (Originalmente publicado no jornal Folha de Londrina, em 12/05/2001)

Biografia

 

1921

Joseph Beuys nasce em Krefeld, em 12 de maio.

 

1942/1943

Serve como piloto de bombardeio durante a 2ª Guerra. Seu avião cai e Beuys carrega seqüelas por toda a vida.

 

1947/1948

Estudos com Ewald Mataré na Academia Federal de Artes de Dusseldorf.

 

1952

Através de seu interesse pelo ensaio Sobre as Abelhas do fundador da antroposofia de Rudolf Steiner, desenvolve uma “teoria específica da escultura”.

 

1953

1ª exposição individual de Beuys, reunindo desenhos, xilogravuras e esculturas.

 

1959

Casa-se com a professora de artes Eva Wumbach.

 

1961

É designado professor para a cadeira de escultura monumental na Academia Federal de Artes de Dusseldorf, vivendo nesta cidade pelos próximos 25 anos.

 

1962

Início das atividades com o grupo Fluxus.

 

1964

Expõe na 4ª Documenta de Kassel.

 

1965

Realiza a ação Como Explicar Quadros a Um Coelho Morto, na galeria Schmela, de Dusseldorf.

 

1967

Organiza o encontro inaugural do “Partido Estudantil Alemão como Metapartido” na Academia de Artes de Dusseldorf, com a presença aproximada de 200 estudantes.

 

1968

Participa da Documenta 4, em Kassel.

 

1970

O Museu do Estado de Hesse de Darmstadt incluí em uma de suas alas, a Seção Beuys, um complexo didático com suas obras.

 

1971

Ocupa a reitoria da Academia de Artes de Dusseldorf, na expectiva de conseguir a inclusão da matrícula de vários alunos cuja inscrição fora recusada.

 

1972

Junto a 54 estudantes matriculados e não matriculados, ocupa novamente a reitoria da Academia para insistir no direito de oportunidades iguais na educação. Tem cancelada seu contrato com a escola.

 

1973

Funda a “Sociedade para o progresso de uma Universidade Internacional Livre para Criatividade e Pesquisas Interdisciplinares”.

 

1974

Eu gosto da América e a América gosta de mim, ação ocorrida na galeria René Block em Nova York, em que permanece quatro dias com um coiote selvagem dentro de uma sala de exposição na galeria.

 

1975

A Corte Federal do Trabalho derruba a decisão da Corte Regional que havia sustentado sua demissão.

 

1977

Instala a Bomba de Mel na 6ª Documenta de Kassel.

 

1978

É eleito membro da Academia de Artes de Berlim.

 

1979

Representa a Alemanha Ocidental na 15ª Bienal de São Paulo.

O Museu Guggenheim de Nova York realiza uma grande mostra retrospectiva de seu trabalho.

 

1980

Participa da 39ª Bienal de Veneza.

Andy Wharol expõe os retratos que fez de Beuys.

 

1981

Inicia o trabalho na obra Terremoto in Palazzo para uma exposição que pretende angariar fundos para as vítimas de um terremoto em Nápoles, na Itália.

 

1982

Inicia o projeto 7000 Carvalhos para a 7ª Documenta de Kassel

 

1983

Começa a trabalhar na fundição de Bronze e alumínio. Este trabalho inclui a instalação Raio com Veado em seu Clarão, em edição limitada a 5 fundições.

 

1984

Expõe a instalação Terremoto in Palazzo na Villa Campolieto, em Herculano, Itália.

 

1986

Morre em Dusseldorf em 23 de janeiro.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

sábado, 23 de maio de 2020

Tubaíners, Coroquinóias e o Caos

Tubaíners, Coroquinóias e o Caos
texto escrito em 23/05/2020
Neste último mês, tive contato com pelo menos 3 médicos, nenhum deles infectologistas, mas o assunto do vírus acabou tornando-se tema da conversa. O primeiro, no começo da crise do covid-19, ainda em fins de março, reprovou a quarentena e cortou a palavra “histeria” ao meio, enquanto conversávamos, voltando atrás no que ia dizendo, sabendo que isso poderia me ofender. O segundo, por várias vezes, tentou pegar em minhas mãos para cumprimentar, até entender que eu, atrás de minha máscara, não estenderia a minha, na direção da dele. E o terceiro falou abertamente que o isolamento é inútil e que a pandemia deve se transformar em epidemia, cabendo a nós esperar até que a contaminação atinja seu pico.
Perguntei a esse terceiro médico, então, se ele defendia a solução da “imunidade de rebanho” – que é quando uma doença atinge uma média de 70% da população – e ele confirmou que sim, que era isso mesmo. Então, disse a ele que tinha feito os cálculos, baseando-me nos números de dias anteriores, e que setenta por cento da população correspondia a 150 milhões de brasileiros infectados, sintomáticos e assintomáticos. Ele confirmou. Então, disse-lhe que, pela proporção de hoje, em media de 8%, o número de mortos poderia chegar a mais ou menos 10 milhões de pessoas, em sua maioria pobres e idosos. Ele meneou a cabeça, como que conformado, e respondeu que é possível que descubram logo uma vacina para o covid-19. E, em seguida, argumentou que o número de mortes em Goiânia, hoje, é menor do que o número de mortes, na mesma época, comparado com o ano passado. Nossa conversa se prolongou por esse tema, e eu lhe expus que o isolamento, feito com seriedade, serviria, ao menos, para que os focos fossem detectados com mais precisão e, assim, seriam mais fáceis de serem atacados, mas ele contra-argumentou que já fizemos o confinamento e “até a Cláudia Raia, que se gabava do isolamento, postando vídeos dela na internet, pegou a doença”. Terminou dizendo que estava havendo sobre-notificação de casos e que todo mundo que morria, agora, por causa desconhecida, se tornava mais um caso de corona vírus.
Todo mundo sabe que o presidente brasileiro, ao ser confrontado com o número de mortos por covid-19, disse a frase: “e dai?” Ora, dizer isso é dar de ombros para as mortes que estão ocorrendo no território nacional, como se o Estado não tivesse nenhuma responsabilidade sobre elas e nada será feito diante da tragédia pública que nos assola. Além disso, o presidente faz piadas de mau gosto e infantis, de cunho ideológico, dizendo que “quem é de direita, toma cloroquina. E, quem é de esquerda, toma tubaína”.
Bem, o presidente não está pensando sozinho. Há muitos que defendem seu ponto de vista. Alguns são partidários de sua ideologia, como um todo. Outros, apenas concordam com ele nesse ponto de vista, esperando pelo que vai acontecer, apostando que essa é a solução para o problema da doença, que se alastra. Essas pessoas são chamadas, na internet, de “bolsomínions”, um apelido que quer dizer, se não me engano, “alguém que pensa pouco”. E, com a insistência do presidente em usar o remédio hidroxicloroquina nos pacientes afetados pelo vírus do covid-19, um novo apelido foi dado aos fãs do presidente, que é “cloroquínions”. Mas, como a piada é um recurso discursivo que dá duplo sentido às interpretações, um amigo criou a palavra “cloroquinóia”, juntando o grupo dos bolsonaristas ao mínions (que, se não me engano, vem de um desenho animado) e esses aos “noiados”, que é como são chamados os viciados em crack, uma droga que é o subproduto da cocaína.
E, do outro lado – dos que defendem o confinamento – a palavra tubaína também sofreu aliterações até chegar aos “tubainers”, que eu mesmo inventei, depois que eu vi um ‘meme’ de alguém acendendo o pavio para explodir uma garrafa contendo coquetel molotov, cujo rótulo podia se ler a palavra ‘tubaína’, um refrigerante popular, considerado bebida de pobres, no Brasil. O ‘ers’ foi emprestado da língua inglesa, que transforma uma ação na pessoa que a pratica. Assim, “law” é lei, mas “lawyer” é advogado. Youtube é uma plataforma de colocar vídeo, mas quem posta conteúdo lá vira “youtuber”. Na verdade, tomei o sufixo do uso que os paulistanos fazem, na internet, que se nomeiam conforme o bairro em que moram. Assim, quem mora em Santa Cecília diz ser um “santacecilier”. Quem mora em Perdizes, “perdizers”, e assim por diante.
Tem um outro dado. Em 2000, enquanto a imprensa noticiava, com ufanismo, os 500 anos da “descoberta” do Brasil, nós, um grupo de interioranos do norte do Paraná, fazíamos um evento que ficou célebre na cidade de Bela Vista do Paraíso, intitulado Outros 500. Esse evento, que teve uma programação variada – e que contou com a adesão de algumas dezenas de jovens participando da produção – acabou chamando atenção (e a ira da maçonaria) e foi um marco histórico na região. Uma das ações protagonizadas pelo grupo foi um evento intitulado de “A tubaína é nossa!”, visto que estávamos sendo ameaçados por várias privatizações do governo da época e queríamos chamar atenção para a relação local X global. Nossa crítica endereçava-se aos ufanistas carregando a bandeira brasileira nas costas e bebendo alegremente sua coca-cola, enquanto consumiam marcas e entretenimento impostos pelos Estados Unidos. Nada mudou. E eu continuo defendendo a “tubaína”, embora prefira beber os probióticos que faço de fermentação natural de frutas.
Portanto, é fácil saber de que lado estou. Defendo que salvar vidas é mais importante do que a economia. De que o Estado tem o dever de ajudar as pessoas a se manterem em casa, liberando custos para que elas possam aderir ao isolamento. De que é preciso investir na saúde pública para que, em uma situação como a que estamos vivendo, possa ser socorrido e amparado o maior número de pessoas. E, principalmente, que a prevenção é menos custosa do que o combate à doença.
Sei, também, que, para variar, estou do lado dos que estão perdendo a batalha. A suposição que o número de mortos passe da casa dos 6, 7 dígitos, pode ser comparada ao Apocalipse. Não é só que vão morrer muito mais pessoas do que os 21.600 mortos que já estão notificados – hoje, dia 23 de maio de 2020 – desde quando a pandemia se iniciou, no país, em meados de março deste ano. É todo um colapso na saúde, na educação e na economia que, a meu ver, serão irreversíveis. A doença vai se alastrar e matar nossos parentes, nossos amigos, conhecidos, intelectuais, artistas, anônimos e pobres, muitos pobres. E o pior é saber que é isso que o governo quer. Que há uma política deliberada de genocídio aos mais vulneráveis, que são vistos apenas como incômodo ou mão de obra descartável.
O horror é saber que estamos em um barco furado e desgovernado, à deriva de uma tempestade. Que o outro torna-se um inimigo que nos pode passar a morte através de um simples aperto de mão. Que a peste está no ar e os cavaleiros da morte passeiam sorridente e livres pelo noticiário, como chefes de Estado, grandes empresários, economistas do mercado e militares devassos, decrépitos, a comandar o destino da nação. Que, em uma reunião ministerial, com a presença do chefe da nação, prevaleça o bate bocas, as ameaças e os palavrões, tal como imaginamos uma reunião de um bando de bandidos sem educação ou escrúpulos.
O terrível é saber que em Cuba – para onde eu tenho sido mandado desde 2014, quando comecei a defender a manutenção da ex presidenta Dilma, que depois foi derrubada – não tenha registro de casos de mortes por covid-19 há 2 dias. E que as praias de alguns países da Europa estão começando a voltar a ter circulação. E que a China continental tem pouco mais de 4 mil mortes. E que a doença chegou aqui 2 meses depois que começou lá! Ou, que a Argentina, nossa vizinha, que, em número de habitantes é quatro vezes e meia menor, conta 50 vezes menos o número de mortos do que aqui!
O caos, portanto, será a herança dos nossos filhos e netos, se é que os teremos, ainda. As fronteiras com os outros países serão todas fechadas. O brasileiro, que já vinha perdendo o status de país pacífico e cortês, será tratado como um leproso, quando estiver entre estrangeiros. Tornaremos presas fáceis do capitalismo voraz e canibal que nunca teve, de todo modo, dificuldade em levar nossas riquezas. Continuaremos na disputa narrativa entre “cloroquinóias” e “tubaíners”, como se os oprimidos fossem os culpados pela violência dos opressores. A polícia continuará matando os pobres, em uma política de extermínio que só aumenta a violência. Os representantes do Estado continuarão dizendo: “e dai?” O culpado continuará a ser o PT, partido que saiu do governo há mais de 4 anos e deixou uma reserva cambial de 380 bilhões nos cofres públicos, que está sendo queimada, como a floresta, em chamas, enquanto o presidente ri da nossa cara. O dólar, hoje, está batendo a casa dos 6 reais. Em breve estaremos pior do que estivemos na época do governo Sarney, com uma inflação de 80 % ao mês. Vivendo sob um regime autoritário. E sem nossas estatais.
O fundamentalismo evangélico neopentecostal fardado venceu. As bandeiras dos Estados Unidos e de Israel são hasteadas pelos “cloroquinóias”, enquanto pisam sobre a bandeira nacional, gritando “Brasil acima de todos” e “mito”, que é como eles chamam o psicopata que elegeram. O mundo acabou e nunca mais vai ser o mesmo. Os que já estavam mortos estão conseguindo matar a todos nós, também. Para eles, isso é uma vitória de Cristo, mesmo que tudo tenha sido construído à base de fake news e um processo de ódio contra os adversários políticos. Para eles, cumpre-se, assim, a profecia do Apocalipse, que é o que eles querem. Desse modo, ninguém poderá desacreditar na Bíblia Sagrada que essas e esses mamelucos, cafuzos, índios, pretos, brancos pobres e ricos canalhas bradam ao ar, amaldiçoando a alegria e a diversidade e impondo o punitivismo de um povo do deserto ao nosso país tropical.
Os ignorantes têm ódio do Estado. O Estado só chegou aos menos favorecidos, nesses 520 anos de Brasil, para cobrar impostos, tributos e matar a população. Por isso, caem fácil na armadilha autoritária. Por isso, acabam elegendo dirigentes que se dizem contra a política e contra o Estado. Não sabem de seus direitos e não têm como lutar por eles. Quando tiveram alguma chance, logo insurgiram forças da elite branca para derrubar o governo, fazendo isso através da criação de um clima de ódio, no país. E a grande maioria da sociedade nem percebeu que a conta seria paga por ela, muitas vezes, com a vida das pessoas. Esse projeto de extermínio tem nome, chama-se "capitalismo selvagem". Um exemplo: a Indústria nacional vem perdendo o pouco espaço que tinha, em termos de produtividade e competitividade, a passos largos, mas sua Federação continua apoiando o presidente que ajudaram a ganhar a eleição. Por que? Porque lucram com o sistema financeiro. Por enquanto, ainda podem tirar do trabalhador, cortar direitos, enxugar a máquina, tomar capital a crédito do Estado, mas, e amanhã, como será? Não há futuro para “o país do futuro”. O pesadelo tende a se aprofundar. O caos impera. E isso só abre espaço para o autoritarismo, que bem conhecemos suas chagas. Elas mal cicatrizaram sobre a pele da nossa bandeira, que está sendo pisada por fanáticos. Fanáticos que se dizem com ódio da política, mas que se divertem em brincar com as armas do fascismo, incendiando sonhos e colocando medo no lugar! Para o atual governo e os cloroquinóias, o isolamento social é uma carta a ser manipulada. Eles não querem os tubaíners protestando e reivindicando direitos, nas ruas. A eles interessa o caos. O caos interessa ao opressor, o medo se espalha. A repressão e a censura são usadas como remédio. A peste se espalha. E mata.
Rubens da Silva

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

A BUTTERFLY HUNTER ON THE PRAGUE CITY


Um caçador de borboleta
Tendo saído do Brasil para fazer um curso de escultura, durante meu período de Licença Capacitação, no primeiro semestre deste ano de 2018, durante mais de 2 meses residi na cidade de Praga, na República Tcheca, onde me deparei com histórias e construções da Idade Média que, hoje, fazem parte do acervo cultural da humanidade. Foi na Praça Venceslau, um rei do século XII, diante de sua imagem, que entendi que aquele amontoado de metal moldado no século XVIII ou XIX ajudava a trazer identidade e coesão social a seu povo. E isso não estava isolado da quantidade de turistas visitando a grande praça circundada de palácios, museus e outras obras monumentais e seculares. Nem da economia que aquele conjunto de histórias e memória movimenta.
Por ironia, próximo ao local onde eu estava residindo, na Praça Ortenovo, no bairro de Holešovice, na região conhecida como Praga 7, distante 15 a 20 minutos de bonde da Praça Venceslau, está instalada uma peça feita com duas chapas de metal, no tamanho aproximado de 3 metros, ladeada por um perfil de mais ou menos 40 cm, pintada pelo brasileiro Romero Britto. Representa uma borboleta.
Depois de consultar, pela internet, descobri que um escritório oferece graciosamente às prefeituras das cidades uma obra do referido artista. Através da embaixada brasileira, sambistas representando a “cultura brasileira” são convidados para se apresentarem no dia da inauguração da peça. Formalizam-se as transações e, pronto, está aberto o canal para possíveis trocas comerciais entre o escritório de Romero Britto e a cidade “premiada”1.
Conversando com o artista Kristofer Paetau – que foi meu anfitrião e intermediário para que eu pudesse ir para Praga – lembramos de alguns “diálogos” entre obras, tais como o desenho de De Kooning apagado por Rauschenberg (Erased de Kooning Drawing, 1953) e, também, da estátua da menina sem medo (2017) que se posiciona em frente ao Búfalo de Wall Street (1989), em Nova York, EUA.
Rapidamente, desenhei em uma folha de papel uma rede de caçar borboletas e começamos a pensar juntos qual seria a melhor posição para ela ficar na Praça Ortenovo, “dialogando” com a obra de Romero Britto. Outro amigo, Ondrej Brody, também artista, sugeriu que eu enfiasse a rede sobre a borboleta e eu logo fui tirar as medidas reais do trabalho alheio para pensar sobre o que e como fazer o meu próprio trabalho.
Fiz uma maquete do conjunto borboleta-rede ao mesmo tempo em que tentava pensar quais seriam os melhores materiais para a construção do meu objeto. Fui à uma grande loja de materiais de construção, um pouco afastada no centro da cidade, e comprei canos de plástico, madeira, parafusos e demais materiais para fazer a parte rígida da rede, que deveria ter, pelo menos, 3 metros de diâmetro, em sua boca. Não fiquei satisfeito em um primeiro momento e comprei mais materiais para dar à rede mais estabilidade. E, após isso, comprei uma rede de tecido de propileno que me fez pensar se valia a pena os gastos que eu estava tendo com esse trabalho. Afinal, quanto tempo iria demorar para que depredassem ou que a polícia ou o serviço público retirassem minha rede de cima da escultura do famoso escultor brasileiro?
Meus amigos diziam que, em uma hora, no máximo a rede não estaria mais lá. Outro, mais pessimista, de que eu seria preso no ato de colocar a rede de caça sobre o objeto de metal. Fui tranquilizado pelo meu orientador do curso de licença capacitação, ponderando que a rede não iria machucar o trabalho alheio e que não haveria problemas com a polícia, caso ela chegasse na hora da ação.
Na manhã de um sábado, convidei os amigos e o meu orientador, que veio com seus alunos, para fazer um piquenique e realizar a ação na Praça. A rede encaixou-se perfeitamente à borboleta e não houve nenhum tipo de problema que pudesse atrapalhar o planejamento feito anteriormente. Ao contrário, alguns moradores do bairro vieram até a mim para dizer que aprovavam minha intervenção.
Um mês depois que eu fui embora de Praga, a rede continuava na praça, ora sobre a borboleta, ora no chão, ao lado da borboleta. Ninguém roubou a rede, levou o cano ou depredou a peça. As pessoas interagiram com a rede de caçar borboletas como um jogo, uma brincadeira. Como meu amigo desce no ponto da Praça, todos os dias, para ir trabalhar, ele foi fotografando essa reação e enviando as fotos para eu apreciar.
Colocando a rede

Colocando a rede e posando para foto

Criança brincando com a maquete da rede

Público da Praça interage com a rede

Público da Praça interage com a rede - talvez a pessoa tenha pensado em libertar a borboleta...
 - 

Vários dias depois

mais...

Um mês depois


Até que a rede rasgasse



quinta-feira, 31 de maio de 2018

Brochado da Rocha

Democracy party
In 2006, after the coup who banned the voted ex-presidente Dilma Roussef, Brazil did a election to choice maor for the cities. So, In BROCHADO DA ROCHA square, person who was constituent in 1947, I hoisted one paper sheet full of political advertising from various political parties, doing one ironic gesture in 'honor' of the legitimacy of brazilian democracy. In portuguese the name of the guy is like 'stone powerless', to know, 'without virility'.









terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

A roupa que te veste

Performance realizada durante o 1º Encontro de Estética e Filosofia da Faculdade de Filosofia FAFIL/UFG - 2016

https://vimeo.com/166728766

O Discurso do Método

Performance realizada no 2º Encontro de Estética da FAFIL/UFG
2017

https://vimeo.com/166728766